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Reforma Administrativa, uma unanimidade
Francisco Octavio de Almeida Prado Filho
*artigo publicado no informativo Migalhas em 1º de outubro de 2021
Entre os estudiosos do Direito Administrativo, há aqueles que defendem na íntegra o modelo de Estado e de prestação de serviços públicos originalmente previstos na Constituição de 1988, ressaltando a importância das garantias instituídas em favor dos servidores públicos e de carreiras bem estruturadas, regidas integralmente por um regime de direito público, único capaz de assegurar independência de atuação contra possíveis interferências e perseguições políticas indesejadas. Outros defendem alterações e adaptações no modelo original, com mudanças no regime jurídico dos servidores público, uma melhor gestão de pessoal, combate a privilégios de setores específicos, e a regulamentação de ferramentas já instituídas em reformas anteriores, como a avaliação de desempenho prevista na EC 19/1998. São visões e caminhos diferentes, propostos por estudiosos sérios e bem-intencionados, que têm por finalidade estimular a melhor prestação dos serviços públicos em benefício de toda a população. Discute-se a forma do Estado, a forma da prestação dos serviços públicos e o regime jurídico dos servidores, reconhecendo-se, no entanto, a importância do Estado e dos serviços públicos prestados.
A PEC 32/2020, proposta de Emenda Constitucional do Poder Executivo em tramitação na Câmara dos Deputados, consegue a proeza de ser uma unanimidade, desagrada expoentes das duas linhas de pensamento citadas. Consegue, ao mesmo tempo: i) enfraquecer carreiras públicas, retirando-lhes importantes direitos e garantias; ii) manter e incluir classes de servidores privilegiados no texto constitucional (regime especial para os titulares de cargos exclusivos de Estado e condições especiais de aposentadoria para policiais e agentes penitenciários); iii) não avançar em políticas e ferramentas de gestão e estímulo de servidores. Fato é que as alterações propostas mais parecem uma colcha de retalhos direcionadas a beneficiar grupos específicos de servidores e enfraquecer as demais carreiras, sem qualquer estudo ou proposta minimamente consistente para melhorar a prestação dos serviços públicos.
A despeito da ideia corrente, muito propagandeada, de que servidores públicos são uma classe privilegiada, com altos salários e pouca eficiência, isso não corresponde à realidade. Há sem dúvida, uma parcela privilegiada, com altos salários e benefícios especiais, mas isso está longe de representar uma realidade do serviço público, especialmente dos servidores dos Executivos Estaduais e Municipais, aí incluídos os servidores das áreas da Saúde e Educação.
A disputa ideológica entre os defensores de “mais Estado” ou “menos Estado” parece partir de premissa equivocada, uma tentativa simplista, rasa e equivocada de colocar a questão. A verdadeira pergunta deveria ser qual o modelo de Estado que queremos? Qual o Estado capaz de prestar os melhores serviços públicos?
Entre nós, a pandemia da COVID19 mostrou a importância de um serviço de saúde bem estruturado como o SUS. Ainda que tenha falhas e possa ser aperfeiçoado, trata-se de um modelo de inegáveis méritos e que tem sido fundamental para o enfrentamento dessa doença. A atuação dos servidores públicos, não só da área da saúde, no enfrentamento desta grave crise deve ser reconhecida.
E mais, especialmente em um país com tanta desigualdade e carência social como o Brasil, não é possível abrir mão do importante papel do Estado e dos serviços públicos prestados, imprescindíveis à garantia de um mínimo de dignidade à maior parte da população. A pergunta, então, deveria ser: qual a melhor forma, o melhor modelo, para propiciar a boa prestação de serviços públicos de uma forma ética e eficiente?
Estou entre aqueles que acredita haver espaço para a melhoria da gestão dos servidores, para a melhor alocação dos recursos humanos e atualização do regime hoje vigente, reconhecida a importância da existência de carreiras públicas bem estruturadas. Para começar, proporia a rejeição da PEC 32/2020 e a regulamentação, por lei complementar, da avaliação periódica de desempenho já prevista na EC 19 de 1998.