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PL DAS FAKE NEWS: ENTENDA O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO
15/05/23

PL DAS FAKE NEWS: ENTENDA O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO

 

Francisco Octavio de Almeida Prado Filho
Gabriela Vilela Buzzo

Nas últimas semanas o debate acerca da responsabilização dos provedores de aplicações de internet (redes sociais, ferramentas de busca e mensageria instantânea) ganhou bastante destaque na mídia e nos mais variados fóruns de discussão especializada.

Entre os relevantes acontecimentos relacionados com a matéria destacam-se a aprovação do regime de urgência para votação do PL das Fake News (PL 2630/2020), a sua inclusão em pauta de votação e posterior adiamento. No âmbito do Poder Judiciário, ganharam destaque a decisão do Min. Alexandre de Moraes que determinou a remoção de anúncios com ataques ao PL das Fake News e a liberação para julgamento do RE 1037396, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, com repercussão geral reconhecida, em que se discute a constitucionalidade do artigo 19 da Lei n. 12.965/2014 (conhecida como Marco Civil da Internet).

O artigo 19 da Lei 12.965/2014 condiciona a responsabilização dos provedores à existência de prévia ordem judicial não atendida, em outras palavras, nos termos da lei, os provedores somente podem ser responsabilizados por conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem as devidas providências.

Discute-se no Supremo Tribunal Federal se essa limitação da responsabilidade aos casos de descumprimento de ordem judicial é ou não constitucional O caso afetado para julgamento, como representativo da controvérsia, é o recurso extraordinário nº 1037396, interposto pelo Facebook contra acórdão que reconheceu a responsabilidade da plataforma pela exclusão do conteúdo independente de ordem judicial, com base no artigo 5º, incisos X e XXXII da Constituição.

Cogita-se, com relação a este julgamento, que o Supremo Tribunal Federal poderia, em eventual declaração de inconstitucionalidade da restrição, estipular as condições e requisitos para a responsabilidade dos provedores.

No Congresso, o texto do PL 2.630/2020 a ser submetido em votação já prevê a responsabilização dos provedores independente de ordem judicial, em especial para a reparação de danos gerados por conteúdos de terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma, além de outros casos em que caracterizado o descumprimento das obrigações de dever de cuidado previstas no projeto de lei.

Há forte resistência dos provedores com relação a essa ampliação da responsabilidade, fato bem ilustrado pela verdadeira campanha empreendida contra o projeto de lei, fato que acabou motivando a mencionada decisão do Ministro Alexandre de Moraes, determinando a remoção de anúncios e a oitiva dos responsáveis pelos provedores envolvidos.

Em última análise, o que se discute é qual o nível de intervenção estatal desejável sobre a atuação dos provedores, qual o grau de transparência a ser exigido em sua atuação, em que medida a atuação desses servidores é de interesse público e, por fim, quais as melhores ferramentas para garantir um ambiente de respeito aos princípios, valores e garantias constitucionais, como é o caso da liberdade de expressão.

O projeto de lei de 2020, que foi pensado como uma forma de aperfeiçoamento da legislação brasileira referente ao acesso à informação, à liberdade, responsabilidade e transparência na internet, foi aprovado pelo Senado ainda em 2020. Encaminhado o projeto à Câmara, foi apresentado um substitutivo pelo relator, Deputado Orlando Silva, excluindo a previsão de um órgão regulador, entre outras alterações. Foi aprovado o regime de urgência na tramitação do projeto, mas a votação, inicialmente prevista para o último dia 02/05 foi adiada, sem data para retornar ao plenário.

De início, o texto do projeto de lei, na forma do substitutivo apresentado, prevê sua aplicação aos provedores que, quando constituídos na forma de pessoa jurídica, ofertem serviços ao público brasileiro e exerçam atividade de forma organizada, e cujo número médio de usuários mensais no país seja superior a dez milhões. São eles: redes sociais, ferramentas de buscas, mensageria instantânea e provedores de aplicações ofertantes de conteúdo sob demanda.

Algumas das principais propostas do texto são: a criminalização da promoção ou financiamento de divulgação em massa de mensagens com conteúdo inverídico por meio de conta automatizada, as chamadas contas-robôs (com pena de reclusão de um a três anos e multa); a responsabilização dos provedores pela reparação de danos gerados por conteúdo de terceiro quando distribuído por meio de publicidade de plataforma (ampliação ou impulsionamento pago); ampliação dos deveres de prevenção e transparência.

Nos termos do PL, as plataformas digitais devem manter regras transparentes de moderação, divulgando de forma acessível, clara, pública e objetiva os seus termos de uso, incluindo os tipos de conteúdo proibido, as informações sobre critérios e métodos de moderação, a descrição geral dos eventuais sistemas automatizados utilizados nessa atividade moderadora, e os parâmetros utilizados nos seus sistemas de recomendação de conteúdo, como por exemplo, a descrição geral dos algoritmos utilizados.

Os conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes devem ser retirados imediatamente, os conteúdos jornalísticos e aqueles protegidos por direitos autorais utilizados por provedores deverão ser remunerados e deve ser estendida a imunidade parlamentar aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada.

Os provedores deverão, ainda, criar mecanismos para informar publicamente a ação de moderação de conteúdo, independentemente da causa que deu origem à moderação e manter pública a identificação de ação judicial que deu origem à moderação de conteúdo, ressalvados processos em sigilo.

Ao mesmo tempo, também deverão apresentar, de forma acessível, ressalvados os segredos industrial e comercial, os termos de uso de seus serviços, o que inclui, entre outros, os tipos de conteúdo proibidos e os potenciais riscos de uso.

O texto do PL também estabelece prazo de 24 horas para que as plataformas cumpram as decisões judiciais para a retirada de conteúdo ilícito, com multa de até um R$ 1 milhão por hora para o caso de descumprimento.

Um importante ponto trazido pelo art. 59 do PL é a determinação de que no prazo de 5 anos da data de publicação da lei “será promovida a sua revisão, a partir da avaliação do cumprimento dos princípios, objetivos e responsabilizações desta Lei, bem como a aferição da efetividade e acurácia das medidas e dos relatórios de transparência”.

Entendem os autores do presente artigo que a maior transparência nas regras de moderação de conteúdo por parte dos provedores de aplicativo, em teoria, só tende a beneficiar seus usuários, a sociedade civil como um todo e o processo eleitoral brasileiro, ao passo que privilegia a transparência e o combate à desinformação, através da exigência de uma necessária regulação e publicização das atividades dos provedores.

Ainda que não seja perfeito, o PL 2630, na forma do substitutivo apresentado, apresenta inegáveis avanços. Ajustes podem e devem ser discutidos durante o processo legislativo, com a participação da sociedade civil, sendo este o campo próprio para a discussão proposta.

Ao Supremo Tribunal Federal cabe julgar o conflito que lhe foi submetido em recurso extraordinário, sendo certo que eventual regulação da matéria decorrente da declaração de inconstitucionalidade do artigo 19 do marco civil da internet pode vir a constitucionalizar o debate, engessando o campo de atuação do Poder Legislativo.

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