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Alteração da Lei de Improbidade Administrativa – Necessário remédio legislativo para um problema cultural
Artigo publicado no portal Migalhas em 21 de junho de 2021
Francisco Octavio de Almeida Prado Filho
Temos um problema de cultura jurídica que gera enorme insegurança jurídica e, especialmente com relação ao direito público, um ambiente que não incentiva a melhor atuação do bom administrador público.
De há muito parece termos abandonado um princípio básico de que leis restritivas de direito devem ser interpretadas restritivamente. Longe de representar estímulo à impunidade, referido princípio garante que se possa saber de antemão, e com razoável segurança, quais os comportamentos tidos como proibidos.
O texto da alteração da lei de improbidade administrativa aprovado pela Câmara nada mais é que uma necessária resposta legislativa a este grave problema de cultura jurídica.
Fato é que hoje não temos sido capazes de diferenciar com razoável sucesso os atos efetivamente graves daqueles meramente irregulares, os administradores desonestos, daqueles que simplesmente tentam desempenhar a sua função da melhor forma possível.
Como resultado, um desestímulo à boa administração, um afastamento de bons quadros da boa administração pública.
Fatos graves e atos de desonestidade precisam ser punidos e é fato que temos muito a evoluir neste aspecto. Para isso, no entanto, é essencial sermos capazes de diferenciar o joio do trigo, de identificar e punir aqueles que agem de má-fé, mas também preservar aqueles que atuam em favor do interesse público, comprometidos com o exercício de suas funções, ainda que deles discordemos.
O texto aprovado pela Câmara, de alteração da lei de improbidade administrativa, está longe do ideal, mas é o avanço possível enquanto não mudarmos a nossa cultura jurídica, enquanto não estivermos todos preocupados em criar condições de estímulo e segurança jurídica ao bom administrador.
Há, no texto aprovado, inegáveis avanços como a impossibilidade de caracterização de ato de improbidade administrativa pela mera divergência de interpretação da lei (quando baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada) e a não-aplicação de sanções a pessoas jurídicas que tiverem sido sancionadas com base na lei anticorrupção (Lei 12.846/2013). A primeira, uma medida para garantir maior segurança jurídica no exercício da função pública, assegurando ao administrador que não será punido por mera divergência de interpretativa, nos casos em que sua interpretação estiver fundada em decisão judicial ou dos órgãos de controle. A segunda, uma medida de coerência e harmonização do sistema, considerando que as hipóteses dos ilícitos contidos na lei anticorrupção coincidem, em larga medida, com aquelas previstas na lei de improbidade, havendo também coincidência quanto ao bem jurídico tutelado.
A coincidência entre as hipóteses normativas previstas na lei de improbidade e na lei anticorrupção, com a consequente possível sobreposição de sanções, compromete a exigência constitucional de proporcionalidade além de inviabilizar – ou quando menos dificultar – o correto funcionamento do sistema, em especial os acordos de leniência previstos na lei anticorrupção.
Outro inegável avanço é a impossibilidade de caracterização de ato de improbidade com base no caput do artigo 11 da Lei de Improbidade, uma genérica descrição de princípios que não atende aos requisitos de tipicidade exigidos pelo sistema, de modo a garantir grau minimamente razoável de segurança jurídica.
A exigência de comprovação do dolo é outro avanço considerável, restringindo as graves sanções àqueles que atuarem com o objetivo de alcançar resultado ilícito, requisito subjetivo para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa considerado o seu significado semântico, sinônimo de desonestidade, expresso na Constituição da República.
Como resposta direta ao problema de cultura acima mencionado, cabe citar o artigo 18, em especial o caput e os três primeiros incisos, que em situação de normalidade seriam desnecessários ou repetitivos.
Neste sentido, a exigência prevista no inciso I, de indicação de modo preciso dos fundamentos e elementos a que se referem os artigos 9º a 11, que não podem ser presumidos, é decorrência da própria lei, das normas do Processo Civil e das regras básicas de hermenêutica. Longe de ser desnecessário, referido dispositivo tem inegável caráter didático, contribuindo para que a norma seja efetivamente aplicada.
Os incisos II e III, por sua vez, repetem disposições da LINDB, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.655/2018. Muito embora referidos dispositivos já sejam aplicáveis, há inegável resistência por parte dos órgãos de controle e do Poder Judiciário, daí a necessidade de inclui-los, de forma expressa e específica, no texto da lei.
Com relação às regras de prescrição, o texto aprovado também avançou. Ao contrário dos diversos critérios de contagem da norma atual, capazes de gerar confusão e incerteza, um único prazo de 8 anos – já bastante extenso – contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso das infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.
Não tivéssemos um grave problema de cultura jurídica, uma busca de punição a qualquer custo, um moralismo reprovável, uma falta de coordenação entre os sistemas e órgãos de controle, talvez não tivéssemos que alterar a lei atual, bastaria interpretá-la com base nos princípios hermenêuticos mais elementares, além dos princípios e garantias constitucionais.
No cenário atual, entretanto, a alteração faz-se necessária, como forma de garantir um mínimo de segurança jurídica ao bom administrador público para que possa exercer livremente as suas funções, em proveito de todos nós, de toda a coletividade.