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Almeida Prado

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Contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) pelo Poder Público
01/12/23

Contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) pelo Poder Público

Danilo Morais

Gabriela Vilela Buzzo

Lais Rodrigues Migliorini

 

Durante o século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial, o mundo experimentou uma exponencial evolução do desenvolvimento das ferramentas tecnológicas destinadas a agilizar, facilitar e integrar as mais diversas atividades do cotidiano de uma sociedade. Este processo ficou conhecido como a terceira revolução industrial.

E o poder público não ficou à margem de tais avanços, que contribuíram para uma maior eficiência no funcionamento do Estado. Como pontua José Luiz de Moura Faleiros Júnior:

Não há precedentes para o ritmo exponencial da evolução tecnológica que marcou o século XX, acelerando processos de transformação social em todas as áreas, propiciando mudanças no modo de condução da economia, da cultura, das interações sociais, do trabalho, dos negócios jurídicos, dentre vários outros e, inclusive, do funcionamento do aparato estatal.[1]

Atualmente, vivemos uma nova fase de importantes avanços tecnológicos, ainda mais rápida e abrangente que a anterior, fase esta já denominada de quarta revolução industrial.

Novamente, o poder público não pode deixar de se atualizar, incorporando a seus serviços ferramentas que tragam maior rapidez, eficiência, transparência e segurança, e diminuindo a burocracia. Portanto, é evidente a necessidade de digitalização da administração pública.

O presente artigo pretende abordar as dificuldades e instrumentos de que dispõe a administração pública no Brasil para fazer frente a esse desafio, para realizar as contratações necessárias a esse desenvolvimento tecnológico, em especial as contratações de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).

O que são Ferramentas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC)

No âmbito do poder executivo federal, de acordo com o anexo II, da instrução normativa SGD/ME nº 94, de 23 de dezembro de 2022, que dispõe sobre o processo de contratação de soluções de TIC, consideram-se soluções de TIC os bens e/ou serviços que se adequam à definição de uma das categorias a seguir: materiais e equipamentos de TIC, desenvolvimento e sustentação de sistemas, hospedagem de sistemas, suporte e atendimento ao usuário de TIC, infraestrutura de TIC.

Além disso, também estão incluídas as categorias de comunicação de dados, software e aplicativos, impressão e digitalização, consultoria em TIC, computação em nuvem, internet das coisas, segurança da informação e privacidade e análise de dados, aprendizado de máquina e inteligência artificial.

Os materiais e equipamentos de TIC são dispositivos baseados em técnica digital, com funções de coleta, tratamento, estruturação, armazenamento, comutação, transmissão, recuperação ou apresentação da informação, a exemplo de: desktops, notebooks, coletores de dados do tipo personal digital assistant – PDA, equipamentos de coleta de dados satelitais, monitores de vídeo, impressoras, impressoras térmicas, scanners de documentos, tablets, incluindo-se serviços de manutenção e suporte desses equipamentos.

Regimes de contratação e legislação

A Nova Lei de Licitações e Contratos prevê algumas modalidades de licitação, entre elas estão: pregão, concorrência, concurso, leilão e o diálogo competitivo. No caso das soluções tecnológicas, a Lei regulamentou, em seu art. 2°, VII, as contratações públicas de tecnologias da informação e de comunicação. Para contratações de solução de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) a Instrução Normativa SGD/ME nº 94 de 23 de dezembro de 2022, em seu artigo 25, estabelece, como regra, a obrigatoriedade do uso da modalidade Pregão. Autoriza, no entanto, o uso da modalidade Diálogo Competitivo nas hipóteses previstas no artigo 32 da Lei 14.133 de 2021.

O pregão é a modalidade de licitação em que os critérios de julgamento das propostas enviadas, definidos por um integrante técnico, poderão ser: menor preço, maior desconto, técnica e preço ou maior retorno econômico. Em sua versão eletrônica, as empresas concorrentes devem apresentar suas propostas por meio do chat disponibilizado para os habilitados. Esse procedimento ocorre em tempo real através da internet e é vantajoso por aumentar a competitividade e transparência nas compras públicas.

A modalidade foi utilizada para a compra das câmeras corporais adquiridas pelo Estado do Rio de Janeiro, e o critério de julgamento das propostas foi o menor preço.

A empresa L8 Group S.A. ofereceu preço unitário de R$ 296,00 para cada uma das quase 22 mil câmeras adquiridas. Além da função básica de registrar imagens e áudio das ações da corporação carioca, o equipamento possui um software que utiliza o reconhecimento facial para o desbloqueio do dispositivo, tecnologia desenvolvida pela empresa chinesa Hikvision, juntamente com a norte americana Visiologix.

O diálogo competitivo, por sua vez, é uma modalidade de licitação nova, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n° 14.133 de 2021. Inspirado no instituto europeu, o diálogo competitivo ainda suscita dúvidas por não ser um procedimento tão comum no Brasil.

De acordo com o artigo 32 da Nova Lei de Licitações e Contratos, esta modalidade de licitação, em que se estabelece um diálogo entre a administração e os licitantes na busca da solução mais vantajosa para a demanda do poder licitador, pode ser empregada na contratação de objetos que envolvam: I) inovação tecnológica ou técnica; II) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e III) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração.

Outro meio de contratação de novas tecnologias que pode ser utilizado pela administração pública é a Encomenda Tecnológica, regulamentada pelo artigo 29, inciso XIV da lei nº 13.303/2016, pelo artigo 20 da Lei nº 10.973/2004 e pela seção V do Decreto nº 9.283/2018.

Tal modalidade de contratação consiste em uma espécie de compra pública direta que permite a contratação de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação que apresentem risco tecnológico, para solucionar um problema técnico específico ou obter produto, serviço ou processo inovador.

Conforme o artigo 20 da Lei nº 10.973/2004, pode se optar por essa modalidade quando são contratadas Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação (ICTs), entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empresas, isoladamente ou em consórcios, voltadas para atividades de pesquisa e de reconhecida capacitação tecnológica no setor.

A modalidade, portanto, permite o desenvolvimento de uma ideia antes mesmo de se ter chegado a um produto final, de forma que representa uma ótima ferramenta para se investir em inovação.

Dessa forma, por mais que não seja a modalidade de contratação que forneça a solução mais rápida, possui o potencial de ser um dos mais eficientes, por produzir um resultado mais personalizado à demanda da Administração.

Dois casos de grande importância no cenário brasileiro em que houve a utilização da Encomenda Tecnológica foram o contrato firmado pela Fiocruz (fundação Oswaldo Cruz) com a AstraZeneca e o da Força Aérea Brasileira (FAB) com a Embraer.

No primeiro caso, a Fiocruz, fundação pública vinculada ao Ministério da Saúde, e seu instituto de imunologia firmaram contrato com a farmacêutica inglesa para a transferência tecnológica para produção do Insumo Farmacêutico Ativo destinado a produção da vacina contra a COVID-19.

Já no segundo caso, a força aérea necessitava de uma nova aeronave destinada ao transporte de cargas e tropas que pudesse substituir os eficientes, porém antigos, C-130 Hercules.

A Embraer foi incumbida de realizar as pesquisas e o desenvolvimento da nova aeronave e o projeto apresentado foi o C-390 Millennium (KC-390 na nomenclatura adotada pela FAB), que possui maior velocidade e eficiência que seu antecessor fabricado pela extinta Lockheed.

Regime de remuneração

Uma dúvida que pode surgir ao administrador na contratação de solução de TIC é o regime de remuneração a ser utilizado nos contratos que envolvam o fornecimento de serviços.

A Unidade de Serviço Técnico (UST) é muito utilizada para a remuneração desse tipo de contrato. Nela, a remuneração é realizada com base nos resultados do serviço e foi utilizada pela primeira pelo Superior Tribunal de Justiça na contratação de serviços de TI realizada por meio do Pregão Eletrônico 104/2010.

Contudo, ao auditar 55 contratações públicas federais, o Plenário do Tribunal de Contas da União, seguindo a proposta de deliberação trazida pelo Ministro André Luís de Carvalho no acórdão TC-022.253/2019-0, fez diversas ressalvas sobre esta forma de remuneração.

“7.      Em linhas gerais, assim como a Unidade de Medida de Serviços (UMS), entre outras denominações similares, a UST envolveria a elaboração de alguns artefatos destinados a viabilizar a adequada e razoável mensuração e definição dos preços das atividades ou serviços, a exemplo de: (i) catálogo de serviços, com a respectiva justificativa; (ii) estudos técnicos para subsidiar a definição de indicadores dos níveis de complexidade das atividades e de serviços esperados, além dos esforços e dos perfis profissionais; (iii) correlação entre as atividades e a quantidade de UST; e (iv) planilha de composição de custo e formação de preço unitário da UST.

  1. Todavia, a partir da análise empreendida pela equipe de auditoria, foram identificados os seguintes achados: (i) deficiência na estimativa de preços da UST; (ii) dimensionamento do quantitativo da UST baseado em parâmetros injustificados; (iii) impossibilidade de a administração assegurar a obtenção de preços condizentes com o mercado; e (iv) não vinculação dos serviços a resultados, além da deficiência ou inexistência de instrumentos para a necessária fiscalização contratual.
  2. A equipe de auditoria identificou, em suma, que a UST não pode ser entendida como métrica ou unidade de medida a ser adotada pela administração, sem a devida padronização, até porque a UST equivaleria à abstração tendente a refletir, na maioria dos contratos, o efeito financeiro decorrente da aplicação de parâmetros multiplicadores arbitrados, sem as devidas justificativas técnico-econômicas, resultando, assim, em quantitativos de UST sem a razoável motivação.
  3. Esses parâmetros corresponderiam a pesos atribuídos em face da complexidade do serviço com vistas a impactar diretamente o cálculo da quantidade de UST associada a cada item e, por conseguinte, o preço a ser pago para cada unidade de serviço, pois incidiriam para multiplicar a quantidade de UST inicialmente fixada para cada serviço; tendo sido encontradas 18 (dezoito) faixas de variação nos aludidos parâmetros, com a amplitude de 1,5 a 64, e, por essa linha, a quantidade de UST para determinado serviço poderia sofrer o incremento de até 64 vezes. 11. Por outro ângulo, ao discorrer sobre o total de 143 (cento e quarenta e três) parâmetros presentes nos respectivos 49 (quarenta e nove) contratos, a equipe de auditoria anotou que não teria sido apresentada a memória de cálculo para nenhum dos respectivos pesos utilizados, nem teriam sido evidenciadas as necessárias justificativas técnico-econômicas para o emprego desses referenciais.
  4. Diante, então, da quantidade de parâmetros arbitrados, sem o devido fundamento em justificativas sólidas e fidedignas, restaria revelada a inadequação dessa suposta métrica estabelecida, ante a amplificação do impacto financeiro pelo uso da UST, restando majorado, com isso, o risco de sobrepreço e superfaturamento em face dos possíveis desbalanceamentos.”[2]

Como se observa, a corte de contas considerou que para a adoção desta forma de remuneração deve haver uma padronização dos critérios de aferição do resultado e, também, dos valores utilizados para o pagamento dos serviços, caso contrário, a métrica não deve ser utilizada.

Compartilhamento de dados

Há, ainda, questionamentos relativos ao compartilhamento dos dados pelo poder público, seja entre os órgãos que o compõem ou entre as empresas contratadas para o fornecimento da ferramenta tecnológica.

Nesse sentido, a recente contratação de câmeras de segurança que realizam o reconhecimento facial e possibilitam a identificação de pessoas foragidas da justiça, pela Prefeitura de São Paulo, ganhou importante destaque nos meios de comunicação.

Sobre a temática, é importante ressaltar que a Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709 de 2018, reservou um capítulo específico ao tratamento de dados pelo poder público.

O artigo 23 da lei estabelece que “O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público” e estabelece uma série de condicionantes para o procedimento.

Nos outros artigos do capítulo, a norma assegura uma série de garantias aos titulares dos dados, como por exemplo, a obrigatoriedade de informar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e do fornecimento do consentimento, quando houver a necessidade de compartilhamento dos dados com entes privados, prevista no artigo 27 da lei.

Conclusão

Em suma, a aquisição e a implementação de novas tecnologias na Administração Pública apresentam desafios significativos, especialmente quando se trata de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs). Assim, a busca por modalidades de contratação adequadas e a compreensão de suas implicações legais são questões cruciais a serem discutidas, a fim de se promover a eficiência na gestão pública.

Nesse aspecto, é essencial destacar que a adoção de modalidades de contratação adequadas, a definição de regimes de remuneração transparentes e o respeito às normas de proteção de dados são indispensáveis para garantir que a administração pública aproveite ao máximo as oportunidades oferecidas pela revolução tecnológica. Com um compromisso com a inovação responsável e conforme os ditames legais, a administração pública pode atender de forma mais eficaz as necessidades da sociedade e promover um governo mais ágil e eficiente no século XXI.

 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004.  Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Brasília, DF, [2004]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.973.htm . Acesso em: 06 set. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Brasília, DF, [2016]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm. Acesso em: 06 set. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Brasília, DF, [2018]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.html. Acesso em: 06 de set. 2023.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF, [2021]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 06 set. 2023.

BRASIL. Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018.  Regulamenta a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016, o art. 24, § 3º, e o art. 32, § 7º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, o art. 1º da Lei nº 8.010, de 29 de março de 1990, e o art. 2º, caput, inciso I, alínea “g”, da Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990, e altera o Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, para estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. Brasília, DF, [2018]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9283.htm. Acesso em: 06 set. 2023.

BRASIL. Instrução Normativa SGD/ME nº 94, de 23 de dezembro de 2022. Dispõe sobre o processo de contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação – SISP do Poder Executivo Federal. Brasília, DF, [2018]. Disponível em: https://www.gov.br/governodigital/pt-br/contratacoes/instrucao-normativa-sgd-me-no-94-de-23-de-dezembro-de-2022. Acesso em: 06 de set. 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. AC. 1508/2020. Auditoria n. 022.253/2019-0. Relator: Ministro André Luis Carvalho. 10 de junho de 2020. Boletim do Tribunal de Contas da União. Brasília. 19 de jun. De 2020 – Disponível em https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/2225320190.PROC/%2520%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/4. Acesso em 06 set. 2023.

FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Administração Pública Digital: proposições para o aperfeiçoamento do Regime Jurídico Administrativo na sociedade da informação. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020.

[1] FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Administração Pública Digital: proposições para o aperfeiçoamento do Regime Jurídico Administrativo na sociedade da informação. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020. P. 53.

[2] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Auditoria n. 022.253/2019-0. Relator: Ministro André Luis Carvalho. 10 de junho de 2020. Boletim do Tribunal de Contas da União. Brasília. 19 de jun. De 2020 – Disponível em https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/2225320190.PROC/%2520%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/4. Acesso em 06 de set. De 2023.

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