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O Estudo Técnico Preliminar e sua obrigatoriedade na Lei de Licitações
20/09/23

O Estudo Técnico Preliminar e sua obrigatoriedade na Lei de Licitações

Danilo Morais

Gabriela Buzzo

Lais Migliorini

Com a edição da lei nº 14.133 de 2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos – a fase de planejamento teve sua importância realçada nos procedimentos destinados às contratações públicas.

O professor Marçal Justen Filho faz a seguinte consideração sobre o papel do planejamento no procedimento regido pela nova lei:

“Um dos pilares da Lei 14.133/2021 consiste em promover o planejamento, reconhecido como essencial e indispensável para a gestão eficiente dos recursos públicos e a obtenção de contratações satisfatórias e bem executadas. A Lei pressupõe que o planejamento pode neutralizar os defeitos fundamentais das contratações administrativas, que são a ineficiência e a corrupção.”[1]

A imposição do dever de elaboração de Estudo Técnico Preliminar, como base para fundamentar a necessidade da contratação na fase preparatória (etapa de planejamento) do procedimento licitatório (artigo 18, inciso I da Lei 14.133 de 2021), demonstra de forma clara a intenção do legislador em trazer maior efetividade aos atos da administração pública de contração de bens e serviços por meio de um bom planejamento.

Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:

I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;

A Lei nº 8666 de 1993, prestes a ser revogada, já trazia a obrigatoriedade da elaboração do Estudo Técnico Preliminar, mas em menor extensão e apenas como parte do projeto básico (art. 7º c/c art. 6º, IX).

Outras normas que tratavam sobre procedimentos destinados às compras e contratações públicas sequer traziam, de forma expressa, a obrigatoriedade da elaboração do Estudo, dando, assim, margem para o surgimento de controvérsias sobre o tema.

No âmbito do Tribunal de Contas da União, a elaboração do Estudo Técnico há muito já era considerada como obrigatória em procedimentos licitatórios de qualquer natureza, conforme se observa das determinações contidas no acórdão 2.212 de 2016.

em atenção à Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX, alínea c, antes da eventual prorrogação do Contrato 25/2012-MI, ou antes da elaboração de edital para licitação com vistas a substituí-lo, realize estudo técnico preliminar com objetivo de definir a localização, quantidade e tipo de todos os postos de trabalho de vigilância, à semelhança do previsto na IN-SLTI 2/2008, art. 49, I”

No mesmo sentido são as conclusões firmadas nos acórdãos 3.215 de 2016 e 681 de 2017, ambos do plenário da corte de contas.

Em consonância ao entendimento do TCU, Antonio França da Costa, Luiz Gustavo Gomes Andrioli e Carlos Renato Araújo Braga, em artigo publicado na revista daquele tribunal no ano de 2018, já defendiam que “A elaboração de ETP é dever cogente imposto à Administração Pública”[2] .

Os autores citam, ainda, trecho extraído do acórdão 233 de 1996 da primeira câmara do tribunal em que se fixou o entendimento de que o Estudo Técnico Preliminar seria obrigatório inclusive nas contratações realizadas nas hipóteses em que se admite a dispensa do procedimento licitatório.

A nova lei de licitações e, consequentemente, as normas infralegais que a regulamentam trazem maior segurança jurídica ao administrador, visto que as margens dadas às discussões foram reduzidas. Principalmente, pelo fato de que a nova lei trata de todos os procedimentos licitatórios.

Nos termos da Instrução Normativa n° 58 de 8 de agosto de 2022, que dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares – ETP, para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital, o Estudo Técnico Preliminar é definido como “o documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação”.

Isto é, o denominado “ETP” constitui documento essencial à primeira fase do processo de uma contratação pública, pois ajuda a compreender seu objetivo e fornece informações essenciais para a elaboração dos documentos a serem produzidos nesse processo.

Em igual sentido é o conceito adotado pelo Tribunal de Contas da União:

“O ETP é, portanto, o documento que analisa a necessidade levantada pelo setor requisitante e identifica as soluções disponíveis no mercado, para subsidiar a escolha da melhor solução do ponto de vista técnico e econômico e a decisão pela viabilidade ou não da contratação.”

Ou seja, esse documento busca definir, desde o início do procedimento, o interesse público envolvido e sua melhor solução de modo a garantir maior segurança jurídico e orientar as demais etapas do procedimento, gerando eficiência e melhorando o julgamento do poder público quanto à seleção da melhor proposta a ser contratada levando em conta a viabilidade técnica, socioeconômica e ambiental das opções disponíveis no mercado.

“Assim nasceu o novo marco regulatório de licitações e contratos, materializado na Lei 14.133/2021, mencionando “planejamento” em 12 oportunidades, a começar pelo artigo                 5º, que acrescentou o planejamento como princípio da contratação pública (CARVALHO, 2021). Foi inserida a obrigação explícita de elaborar o ETP, reforçando o cuidado ao planejar uma compra, exigindo que se investigue a solução mais adequada                 (SALES, 2022).”[1]

Os primeiros artigos da referida Instrução Normativa trazem as diretrizes gerais do ETP, que consistem em evidenciar o problema a ser resolvido e a melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica, socioeconômica e ambiental da contratação; estar alinhado com o Plano de Contratações Anual e com o Plano Diretor de Logística Sustentável, além de outros instrumentos de planejamento da Administração e deverá ser elaborado conjuntamente por servidores da área técnica e requisitante ou, quando houver, pela equipe de planejamento da contratação.

Dessa forma, restou estabelecido que os elementos constitutivos obrigatórios do ETP serão os seguintes (incisos I, IV, VI, VIII e XIII do § 1º, art.18, lei de licitações):

I – Descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;

IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;

VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;

VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação;

XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.

Nesse aspecto, a Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, disponibilizou através da plataforma do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG, a ferramenta ETP Digital, destinada à elaboração dos ETP pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. A ferramenta tem o objetivo de facilitar e padronizar a elaboração do documento pelos órgãos da administração pública.

De acordo com a Instrução Normativa 58/2022, com base no Plano de Contratações Anual, deverão ser registrados no Sistema ETP Digital os seguintes elementos:

Descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público; Descrição dos requisitos da contratação necessários e suficientes à escolha da solução, prevendo critérios e práticas de sustentabilidade, observadas as leis ou regulamentações específicas, bem como padrões mínimos de qualidade e desempenho; além do levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar.

Possibilidade de dispensa da elaboração de ETP

De acordo com o art. 14 da IN 58/2022, todas aquisições feitas com fundamento na nova Lei tem a obrigatoriedade de apresentação do ETP em suas formalidades, exceto nas hipóteses dos incisos I e II, sendo facultada no caso dos incisos I, II, VII e VIII do art. 75 e do § 7º do art. 90 da Lei nº 14.133 de 2021, e dispensada no caso do inciso III do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021, e nos casos de prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos.

Ou seja, as situações em que a elaboração do ETP é facultada são: na contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; na contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) na hipótese de outros serviços e compras (que não sejam relacionados à engenharia ou manutenção de veículos automotores); nos casos de guerra, estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal ou de grave perturbação da ordem; e nos casos de emergência ou de calamidade pública.

Além disso, a elaboração do ETP é facultada em caso de contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento em consequência de rescisão contratual.

Já os casos de dispensa de elaboração do Estudo Técnico Preliminar ocorrem na contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 (um) ano, quando se verificar que naquela licitação não surgiram licitantes interessados ou não foram apresentadas propostas válidas; e as propostas apresentadas consignaram preços manifestamente superiores aos praticados no mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes; e nos casos de prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos.

Neste ponto, cabe fazer uma reflexão sobre a efetividade dos critérios de dispensa e faculdade da elaboração do ETP adotados pela administração federal, notadamente o fator econômico para as compras.

Como já apresentado anteriormente, o inciso I do artigo 14 da Instrução Normativa 58 de 2022 estabelece a faculdade de elaboração do ETP em hipóteses específicas. Para tanto, faz referências às contratações em que se admite a dispensa de licitação, artigo 75 da Lei de Licitações e Contratos.

Dentre as hipóteses, se destaca aquela que faculta a elaboração do estudo prévio para compras que envolvam valores inferiores a R$ 50.000,00. Não há qualquer menção sobre quais os itens e ou quantidades que podem ser licitados sem que o processo esteja instruído conforme as determinações impostas pela lei 14.133 de 2021.

Tal como está regulamentado, é possível vislumbrar cenários em que a disposição não atenderá ao princípio constitucional da Efetividade, ao passo que, adotando apenas o critério do valor de compra, tem-se a obrigatoriedade de elaboração do Estudo Técnico Preliminar mesmo para a compras volumosas de itens que são utilizados em larga escala, tais quais descartáveis, clipes e grampos de papel.

Os critérios para facultar ou dispensar a elaboração de ETP poderiam não só considerar o valor, mas também a complexidade do objeto contratual, conferindo, assim, maior efetividade aos objetivos almejados pelo Poder Público. A despeito da possibilidade de aperfeiçoamento dos critérios adotados, a exigência configura inegável avanço a colaborar para uma Administração mais responsável e eficiente, impondo-lhe o ônus de planejar e justificar o objeto de suas contratações.

Conclusão

A obrigatoriedade de elaboração do Estudo Técnico Preliminar, agora na fase preparatória e não apenas como parte do projeto básico, cumpre seu papel de contribuir para uma mudança de cultura na Administração Pública, que deverá planejar e justificar suas contratações, em sua busca pela melhor solução visando a maior viabilidade técnica, socioeconômica e ambiental da contratação.

 

 

Referências:

Instrução Normativa n°58 de 8 de agosto de 2022

Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 – Lei de Licitações e Contratos Administrativos

[1] https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Cap-de-livro-Franklin-Brasil-ETP.-Necessidade-x-Solucao-1.pdf

 

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. Pag. 331.

[2] COSTA, Antonio França; ANDRIOLI, Luiz Gustavo Gomes; BRAGA, Rena Araújo. Estudos técnicos preliminares: o calcanhar de Aquiles das aquisições públicas. Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, edição 139 – maio/agosto de 2017 de, p. 38-52p. 05,2018. Disponível em:

https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/1430. Acesso em 29/07/2023.

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